Trabalho e diversidade
Com pandemia, renda cai três vezes mais entre os pobres do que entre os ricos
Estudo do FGV Social mostra ainda que para mulheres perdas variaram de 10,35% a 15,6%, enquanto os homens tiveram queda de 8,4%
Um dos pressupostos para o desenvolvimento sustentável, o combate às desigualdades deu um passo atrás no Brasil durante a pandemia da Covid-19. O retrocesso aparece em estudo divulgado recentemente pelo FGV Social, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mostra a redução muito mais acentuada da renda do trabalho entre os mais pobres em comparação com os demais segmentos da população brasileira entre o fim de 2019 e a metade deste ano.
Assinado pelo economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, o estudo “Desigualdades de Impactos Trabalhistas na Pandemia” revela uma queda de 9,4% da renda individual média de todos os brasileiros. Isso aconteceu apesar da recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) - a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país – a um nível próximo ao observado antes da pandemia, destaca o pesquisador.
Mas a face mais cruel do levantamento, feito a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que a queda da renda dos 50% mais pobres chegou a 21,5% no período. Ao mesmo tempo, o recuo entre os 10% mais ricos foi três vezes menor, de 7,16%, enquanto na faixa intermediária de 40% (entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos) houve diminuição de 9%.
Mulheres perdem mais do que os homens
O impacto também é desigual quando se leva em conta o gênero. Na média geral, a renda das mulheres caiu 10,35%, contra 8,4% no caso dos homens, e chegou a 15,6% entre as mães que tiveram a “jornada dupla” ampliada com a permanência dos filhos mais tempo em casa por estarem fora da escola. E entre os 50% mais pobres, as mulheres perderam 26,2% e os homens, 18,4%.
De acordo com Neri, as causas para esse aumento das desigualdades da renda incluem o desemprego, o desalento (quando o trabalhador deixa de procurar ocupação foi falta de perspectivas) e as reduções de jornada e da remuneração por hora trabalhada, fatores que impactam com mais força os mais pobres.
Outra consequência foi o aumento da proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza, aquelas que ganhavam R$ 261 em valores do primeiro trimestre deste ano. Em 2019, elas correspondiam a 11% da população, o equivalente a 23,1 milhões de habitantes no país. No fim do segundo trimestre de 2021, o índice chegou a 13% (ou 27,7 milhões de pobres), depois de oscilar entre 4,6% e 16,1% desde o ano passado conforme as concessões e suspensões de auxílios por parte do governo federal durante a pandemia.
Cenário é “desolador”, afirma economista
Os dados mostram um “cenário desolador”, diz o pesquisador, que não vê perspectivas muito melhores em curto prazo. Embora o avanço da vacinação deva reaquecer a renda do trabalho, há a tendência de aumento da pobreza devido à redução dos valores repassados pelos programas de auxílio do governo federal. Além disso, a “turbulência política” no país os choques climáticos e um possível racionamento de energia podem contribuir para criar uma “tempestade perfeita”, afirma.
Para completar, segundo Neri, o Brasil está diante de um quadro “estagflação” devido à combinação entre aceleração da inflação com altas taxas de desemprego (que permaneceram acima de 14% nos dois primeiros trimestres deste ano, conforme o IBGE), com impactos desiguais sobre as diferentes camadas de renda da população.
De acordo com a pesquisa, nos 12 meses encerrados em julho deste ano, a inflação para os mais pobres alcançou 10,05%, quase três pontos percentuais a mais do que para a alta renda principalmente devido ao aumento dos preços dos alimentos e do gás de cozinha, que têm maior peso na cesta de consumo dos que ganham menos. Neste mesmo período, o IPCA, índice que mede a inflação oficial do país, acumulou alta média de 8,99%.
Esse descontrole inflacionário, por sua vez, vem estimulando a elevação dos juros básicos da economia, o que também tende a ampliar o desemprego que nos 12 meses encerrados em abril deste ano já havia crescido de 26,6% para 36% entre a população mais pobre. Ao mesmo tempo, entre os 10% mais ricos a taxa de desocupação variou apenas de 2,6% para 2,9%, conclui o pesquisador.