Tecnologia e gestão

Agricultura familiar contribui para produção mais equilibrada

Para professor da UFRGS, atividade tem características alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mas precisa manter práticas adequadas

Por Sérgio Ruck Bueno, 13/07/2021

Dos 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no país, 76,8% pertencem a agricultores familiares, segundo o IBGE - Foto: Jeremy Bishop - Unsplash

Um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para 2030, a produção agrícola sustentável está fortemente vinculada à agricultura familiar, atividade que também contribui para as metas da ONU graças a outros fatores como o menor impacto sobre os biomas naturais e o clima, a importância da mão de obra feminina, a oferta de trabalho decente e o seu papel no combate à pobreza e à fome.

A opinião é do professor Paulo Waquil, do curso de Desenvolvimento Rural da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A agricultura familiar tem características que ajudam na busca dos ODS, não apenas como setor produtivo, mas como meio de vida das pessoas”, diz.

Waquil lembra que a relevância do segmento ficou mais clara a partir dos anos 1990, quando os consumidores passaram a valorizar uma produção social, ambiental e economicamente mais equilibrada, em contraponto à agricultura focada basicamente no aumento da produtividade e com impactos negativos como desmatamento, degradação do solo e êxodo rural.

Segundo ele, hoje a atividade responde pela maior parte da oferta de produtos como frutas, verduras e leite do país e o cultivo orgânico, sem agrotóxicos e adubos químicos, proporciona melhor remuneração aos agricultores em feiras especializadas ou mesmo em grandes redes de varejo. O professor destaca ainda a importância das cooperativas para garantir assistência técnica e capacidade de estocagem, de processamento e de acesso aos mercados para os produtores.

A agricultura familiar é definida pela lei federal 11.326, de 2006, com limite de área de quatro módulos fiscais. Cada módulo varia de cinco hectares em municípios das regiões Sul, Sudeste e Nordeste a 110 hectares no Centro-Oeste e Norte do país. A propriedade deve ainda ser dirigida pela família e empregar mão de obra predominantemente familiar.

Conforme Waquil, o censo agropecuário do IBGE de 2017, o mais recente disponível, indica que 76,8% dos quase 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil se enquadram nesta categoria, mas eles respondem por apenas 23% dos 351,3 milhões de hectares distribuídos entre todas as propriedades do país. No Rio Grande do Sul esses percentuais são de 80,5% e 25,3%, respectivamente.

Prática produtiva é mais importante do que a escala

Quanto ao uso de agrotóxicos, os produtores familiares acompanham a média nacional. Segundo o IBGE, na época 33,2% deles utilizavam esses insumos, ante 33,1% do total dos estabelecimentos. De outro lado, apenas 1,3% se dedicava à agricultura orgânica, também em linha com a média geral do país. No entanto, 49,3 mil das 64,7 mil propriedades que adotavam práticas orgânicas eram familiares.

Nas áreas acima dos 200 hectares mais de 90% usam agrotóxicos e nas fazendas com mais de 500 hectares a agricultura orgânica cai para menos de 1%, de acordo com o IBGE. Apesar disso, segundo Waquil, nem todo grande estabelecimento é necessariamente prejudicial ao meio ambiente e, embora a agricultura familiar tenha a tendência de preservar mais, nem toda pequena propriedade é ambientalmente amigável.

“Isso depende mais das práticas produtivas do que da escala”, explica. Ele cita como exemplo a contribuição da pecuária extensiva, com o gado livre no pasto, para a preservação do Pampa no sul do Rio Grande do Sul, no Uruguai e na Argentina. “Hoje já se sabe que a atividade protege o bioma contra o avanço da soja e do eucalipto”, explica.

Mas quando as propriedades se dedicam monoculturas como soja ou milho, o impacto ambiental e social é muito maior, diz o professor. Primeiro, porque elas destroem grandes extensões de biomas naturais e são mais propícias ao surgimento de pragas que exigem a aplicação de mais agrotóxicos. Ao mesmo tempo, elas em geral são voltadas principalmente ao mercado externo. “Tudo isso distancia a monocultura dos ODS”, conclui Waquil.

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Waquil: nem toda grande propriedade é prejudicial ao meio ambiente e nem toda pequena produção é ambientalmente amigável - Foto: Arquivo Pessoal